(gravidade)

A escultura de António Bolota é poderosa e delicada. Com uma escala pouco comum nos artistas portugueses, António Bolota parte do espaço arquitectónico para definir módulos que atravessam os edifícios, desenham desvios, redefinem equilíbrios. A obra que fez para a EDP é uma enorme cunha suspensa a 1mm do chão. . A tensão que coloca sobre o seu ponto de incisão é enorme, porque a sua escala monumental descarrega sobre o vértice da pirâmide uma energia que é elegantemente suspensa. Paradoxalmente, António Bolota escolheu um local rigorosamente discreto para a instalação da sua obra. Contrariamente ao esperado (ao que seria comum para uma obra tão poderosa e assertiva), a sua localização no espaço desvia-se para a periferia, necessitando de uma particular atenção do espectador para ser descoberta. Essa é, aliás, uma prática comum no seu trabalho: definindo projectos que possuem uma ambição enorme, exigem recursos consideráveis, suscitam enormes dificuldades de instalação, António Bolota decide sempre por condições discretas de apresentação ou situações efémeras. Esta duplicidade marca o seu trabalho de forma indelével e aponta para uma forma de conceber a prática artística muito mais próxima do processo do que seria esperável por parte de um artista que tem nos caminhos do dito minimal uma referência permanente. Assim, existe no seu trabalho uma presença da dificuldade projectual, um gigantismo na mobilização de recursos que aponta para a tónica performativa. No entanto, ao contrário do que acontece em muitos dos artistas que produzem um centramento no processo, existe no trabalho de António Bolota um cuidado no acabamento final do objecto que é sua condição inerente, mais do que somente sua condição formal. As suas esculturas existem segundo uma condição de possibilidade que reside na precisão do seu acabamento final, não só em termos visuais, mas na sua temperatura, na resposta ao toque, na densidade que o som lhes comprova ou nega. Esta preocupação com a materialidade da relação física que o espectador experiencia no contacto com a obra liga-se ainda a uma outra componente – a formulação paradoxal das suas esculturas, quase sempre no limiar de suscitarem uma interrogação sobre a sua viabilidade física, sobre o processo do seu equilíbrio, do seu peso, ou da sua resistência. Assim, a escultura de António Bolota vive sob a égide da performatividade e do paradoxo, definindo para si própria um parâmetro de alta performatividade. Quer isto dizer que estabelece como proposta a resposta a um repto que exige uma particular competência construtiva, o desenvolvimento de um saber específico em relação às condições do lugar, mas também em relação à estratégia mecânica (em sentido aristotélico) para a sua edificação. Para tal, o trabalho de Bolota recorre a uma estrutura de projecto que se situa na confluência entre metodologias oriundas da engenharia, da construção como método e de uma sensibilidade arquitectónica. Estas linhas de desenvolvimento do trabalho são muito próximas da relação que os construtivistas russos propunham entre tektonika, faktura e konstruksia. Para o grupo de artistas de que fazia parte Moizei Ginzburg a arte define-se a partir da articulação entre estes eixos: o primeiro conceito diz respeito ao elo orgânico entre valores políticos e técnicas industriais. Faktura diz respeito aos valores específicos dos materiais usados. Konstruksia é a formulação levada ao extremo, isto é, a performatividade do projecto. Se, para a aplicação histórica destes princípios na Rússia o caminho da arte se orienta para uma construção social, na versão própria que lhe é conferida por António Bolota nasce uma simbiose em relação ao minimalismo norte-americano, com a sua noção de especificidade do objecto, tal como foi definida por Donald Judd em 1965. Por outras palavras, a imanência do objecto é o seu destino e o primado ideológico é substituído por uma razão sensível e subjectiva. Assim, as obras de António Bolota lidam com as determinantes do espaço arquitectónico, com a subtileza construtiva no limite da possibilidade de existência da própria obra, mas são, acima de tudo, intervenções que reequacionam a escultura e a sua tradição de peso e massa para um universo no qual a performatividade da relação com o espectador é a sua principal função.

SARDO, Delfim.